Fileira da uva de mesa está bem e recomenda-se

Sejam brancas, pretas ou rosadas, com ou sem grainha, as uvas estão presentes na mesa da maioria dos portugueses. Fomos falar com alguns produtores para nos fazerem um ponto de situação da actual campanha. Contamos-lhe tudo.

Aida Borges

A Frutalmente, que detém a marca Dona Uva, tem cerca de 200 hectares de uvas de mesa produzidas nas regiões do Ribatejo e Oeste e, «entre Julho e Novembro, produz sete variedades: Cardinal, Red Globe, Rosadas sem grainha, Michele Palieri, Brancas sem grainha, Vitoria e Dona Maria», partilha Mário Rodrigues, acrescentando que a Dona Uva está em quase todas as grandes superfícies no mercado nacional. «A nossa produção é, essencialmente, comercializada em Portugal e apenas uma parte é destinada à exportação, nomeadamente para França». O director executivo da Frutalmente explica que como habitual, a campanha de uva de mesa Dona Uva deverá começar na última quinzena de Julho. «Para já, a amostra que temos dá-nos boas expectativas para a colheita, que deverá ficar em linha com a do ano passado, com cerca de 3.000.000 de quilos».

Em perfeita harmonia com o ecossistema

«As uvas Dona Uva seguem o modo de produção integrada e crescem ao ar livre de forma tradicional, nos sistemas de cordão bilateral e em Y. Neste último sistema, os cachos crescem em troncos mais altos, o que nos permite, por um lado, aumentar a produção e a rentabilidade da colheita e, por outro, reduzir a utilização de água e de fertilizantes, comparativamente com a produção em pérgola», continua Mário Rodrigues. No que respeita a problemas fitossanitários, o responsável adianta que «este ano, estão a surgir algumas pragas com maior intensidade, como a traça da uva e a presença de cicadelídeos, que implicam uma gestão muito cuidadosa dos tratamentos, de modo a limitar a quantidade final de resíduos».

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Fundada em 2012 e reconhecida como Organização de Produtores em 2013, a Frutalmente assume como missão «produzir a melhor fruta portuguesa, respeitando a natureza e o meio ambiente». É a única Organização de Produtores de Uva de Mesa em Portugal e, para além da Dona Uva (para uvas de mesa), detém a marca Adoora (para outros frutos, como damascos, dióspiros, pêssegos, figos, maçãs, pêras ou romãs). Tem 200 hectares de vinha e 200 hectares de outras frutas em produção. Na sua génese esteve a família Rodrigues, pioneira na produção de uva de mesa em finais dos anos 1950. De destacar que cerca de 80 hectares são em agricultura de sequeiro, o que, segundo salienta a empresa, lhes permite «salvaguardar um dos recursos mais importantes: a água».

Sem grainha continua a ganhar quota de mercado

«As uvas de mesa produzidas na Herdade Vale da Rosa não são anónimas. São únicas, têm um nome, uma identidade e são tratadas de forma verdadeiramente especial». Quem o afirma é João Pinto, técnico da empresa, acrescentando que têm actualmente em produção 13 variedades de uva de mesa «de elevada e reconhecida qualidade», sendo seis delas de uva com grainha e sete variedades de uva sem grainha. «Quanto às variedades com grainha temos Cardinal, Victoria, Palieri, Red Globe, Itália e Black Pearl; sem grainha temos Sugraone, Crimson, Thompson, entre outras, sendo que este ano vamos iniciar a colheita de uma nova variedade tardia preta sem grainha que é a Sweet Jubilee». No que toca à actual campanha, o técnico partilha que neste momento está a correr bastante bem. «Temos um pouco menos de uva do que no ano passado, mas em termos qualitativos estamos excelentes, tanto nas castas precoces como nas médias/tardias. Avizinha-se uma boa colheita, com muita qualidade, apesar de o clima às vezes não ajudar muito. Vamos começar a colher dentro de dias e no total, entre as castas todas de uva com grainha e sem grainha, esperamos colher cerca de 5.100 toneladas».

Com uma área de cerca de 230 a 240 hectares em modo de produção integrada, a empresa pondera num futuro próximo apostar também na agricultura biológica. Actualmente, as maiores dificuldades prendem-se «com a mão-de-obra (especializada não temos e mesmo para arranjar diferenciada é complicado) e este ano tem sido ainda mais complicado. Na Vale da Rosa todas as operações são feitas manualmente e para chegarmos a este grau de qualidade precisamos de mão-de-obra». Para este técnico, os problemas fitossanitários foram os normais. «A principal doença é o oídio, embora o míldio associado à chuva e às condições de humidade também possam ser uma ameaça, mas nada que tivesse afectado a produção. Já em termos de pragas temos uma nova que está a tornar-se num grande problema aqui no Alentejo, que é a cigarrinha verde. Mas tomamos diversas medidas para controlar todas estas situações, por exemplo, estamos a apostar na biodiversidade para fomentar o crescimento e a fixação de insectos auxiliares para combater a praga naturalmente, tudo com vista na sustentabilidade».

A uva sem grainha é o ex libris desta casa e para João Pinto é já uma aposta ganha: «Na minha perspetiva o mercado de uva com grainha ainda vai durar bastantes anos, não vai desaparecer facilmente nem num futuro próximo, mas toda a evolução é para a uva sem grainha. Quase dois terços da produção que temos é uva sem grainha porque a procura é cada vez maior, embora o custo de produção e o preço final para o consumidor seja mais alto, mas penso que as pessoas não se importam de pagar por uma uva de qualidade, com muito sabor e que tenha boa apresentação». E por falar em preços, estes «este ano subiram um pouco, até porque os custos de produção aumentaram, principalmente ao nível das embalagens». Em relação ao escoamento, «fica quase tudo para o mercado nacional, apenas 15 a 20 por cento vai para exportação», termina.

Intermediários “esmagam” os preços

Para Ezequiel Reis, produtor do Ladoeiro, no concelho de Idanha-a-Nova, que conta com uma área de cultivo de 11 hectares de uva de mesa, nas variedades Red Globe, Cardinal e Victoria, com uma «produção estimada de 100 toneladas», esta campanha «foi bastante produtiva em termos de quantidade. A qualidade, tanto a nível de Brix, como de calibre, também foi boa». Para este empresário, «as dificuldades são grandes, principalmente na questão da incerteza do clima, que fez com que numa semana se tenha tido um pico de calor e se perca 90% da variedade Red Globe e, na semana seguinte, um fenómeno de granizo atingisse a vinha afectando também alguma da produção. A nível fitossanitário nunca tivemos grandes problemas, só situações pontuais, mas facilmente resolvidas. Mas, a maior dificuldade, na minha opinião, será sempre a questão comercial, pois os intermediários entre o produtor e o consumidor “esmagam” completamente os preços, ficando o produtor sempre com a menor parte do negócio, muitas vezes no limite do prejuízo». A produção de Ezequiel Reis fica toda em território nacional e «em relação aos anos anteriores diria que os preços indicativos se mantiveram. O problema é que, os pequenos produtores, como nós, estão sujeitos ao preço que o mercado dita no momento, ficando completamente “na mão” dos intermediários, pois a fruta sai na realidade sem preço e depois acabamos por receber o que nos querem pagar. Estou a generalizar, o que poderá não ser correcto, mas faço-o por serem muitas as situações deste tipo que vou tomando conhecimento, mas, de entre os nossos clientes, temos também empresas que honram os valores de referência», frisa.

Produção não chega para a procura

Na Quinta Fonte do Cortiço, uma marca registada gerida por Joel Oliveira, esta campanha também corre de feição. «Estava com um pouco de receio por causa da covid-19, mas a produção nem chegou para as encomendas. No ano passado, colhi cerca de seis toneladas dos três hectares de vinha (brancas e cardinais), quatro toneladas de brancas e duas toneladas de pretas, mas estas últimas têm o problema dos pássaros, até já arranjei um bom produto repelente feito com picante e pimenta e tive mais uvas, mas continua a ser complicado. Este ano deverá ser idêntico», refere. Quando questionado em relação à qualidade do fruto, o produtor responde com orgulho que «quem prova diz que nunca comeu nada assim. São doces e crocantes, desfazem-se na boca. Tenho duas variedades de uva de mesa de qualidade ímpar, a Cardinal e a D. Maria. O segredo é na vinha que herdei da minha mãe e tem 50 anos de existência».

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Aqui também se aposta no método de produção integrada e não houve grandes problemas ao nível fitossanitário. «Tenho a ajuda de uma engenheira que me aconselha sempre que alguma situação se avizinha. Também estou a par da maquinaria que vai surgindo de forma a optimizar os recursos, já alterei a máquina para bicos anti-deriva e comprei um esmagador/triturador das ervas e vides para colocar no meio das cepas. Estive ainda ligado ao BNI (Business Network International), um grupo de empresários de todo o mundo em que só há um profissional de cada área e eu representava os produtores de uva de mesa do nosso País, todas as referências do grupo eram passadas para mim, por isso ganhei muito conhecimento», justifica, acrescentando que «a agricultura não dá muito dinheiro, por isso temos de ir com calma. Como é uma coisa sazonal, ainda não tenho quantidade suficiente para viver só das uvas, tenho um outro emprego, mas daqui a uns anos espero poder fazê-lo. No futuro, também tenho o objectivo de vender as uvas para o exterior, já fui contactado por um senhor que está em França e que disse querer comprar toda a minha produção. Mas vamos ver, são coisas que ainda estão a ser faladas e há coisas a ser melhoradas, como investir nas caixas para uvas com mais humidade, pois o maior problema na conservação não é tanto com a uva, mas sim com o pé, que fica escuro». Para Joel Oliveira, nesta campanha os preços mantiveram-se. «Consigo vender as uvas a preços que ninguém consegue, um preço que considero justo e que dá para compensar o nosso esforço. Actualmente, forneço quatro Intermarché da minha zona (Palmela, Azeitão, Moita e Pinhal Novo), uma loja grande que há na praça do Pinhal Novo e mais de 20 lojas em Setúbal. As uvas nunca chegam e produzo muita quantidade», termina.

*Artigo publicado na nossa edição de Julho

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