A afirmação é de Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia. Em entrevista fala das linhas de financiamento, da programa “Portugal sou Eu” e de novos acordos comerciais.
O sector agrícola é constituído maioritariamente por micro, pequenas e médias empresas. Será possível e desejável tentar alterar este panorama?
A realidade referida não é exclusiva do sector agrícola. 96,4% das empresas nacionais são microempresas que empregam menos de 10 pessoas, 99,9% são micro, pequenas e médias empresas. Estas empresas assumem um papel muito relevante enquanto motor de desenvolvimento e de crescimento económico. Existem bons exemplos de pequenas empresas que desenvolvem modelos de negócio diferenciadores e de sucesso, designadamente na área agrícola e da indústria alimentar. Contudo, sabemos que grande parte das micro, pequenas e médias empresas se defrontam com dificuldades de sobrevivência e de modernização face ao aumento da concorrência, e às suas fragilidades. Para que empresas portuguesas se tornem mais competitivas e os produtos nacionais mais atractivos, é fundamental melhorar a envolvente empresarial, criando as condições para que as mesmas cresçam não só em dimensão, mas fundamentalmente em qualidade e de forma sustentada, sendo com este desígnio que o Governo tem vindo a trabalhar num conjunto de iniciativas.
Pode pormenorizar?
O Ministério da Economia está empenhado em criar as condições necessárias para a criação de um ambiente mais favorável ao aumento da competitividade das empresas, à criação de emprego, à promoção da inovação e do crescimento económico, de forma transversal. Temos trabalhado nas áreas que consideramos prioritárias, como o acesso ao financiamento, a promoção do valor acrescentado da produção nacional e do acesso a novos mercados, a promoção do empreendedorismo, da inovação e da digitalização, bem como a melhoria do ambiente de negócios através da simplificação administrativa e a redução dos custos de contexto para as empresas. Saliento algumas iniciativas como a Startup Portugal, o programa Capitalizar e a Iniciativa Indústria 4.0, que inclui o sector da agro-indústria (produção agrícola, transformação, packaging e distribuição). A digitalização é, cada vez mais, um factor determinante para sucesso das empresas. As tecnologias da informação e da comunicação e a digitalização vieram permitir que as micro, pequenas e médias empresas possam penetrar em mercados mais alargados, que anteriormente lhes estavam vedados, explorem novos canais de venda, novas tendências e oportunidades de diferenciação, novos modelos de negócio, importando capacitá-las para tirar o melhor partido dessas oportunidades.
A promoção é igualmente importante para a economia nacional. O que tem sido feito?
A valorização da produção nacional, e a promoção da sua diversidade e singularidade, é fundamental para que as empresas portuguesas possam, por um lado, competir com produtos provenientes de outos países no mercado nacional e, por outro lado, penetrar em mercados internacionais. Por isso, procedemos a uma reorientação estratégica e ao reforço do programa “Portugal Sou Eu”, destinada a aumentar a divulgação e notoriedade da marca, bem como a promover um maior envolvimento da sociedade civil e a autossustentabilidade e continuidade do Programa. Importa salientar que uma parte muito significativa dos produtos aderentes ao Selo “Portugal Sou Eu” e que, portanto, beneficiam da notoriedade que este lhes confere, são produtos agrícolas e da indústria alimentar, designadamente marcas de vinhos e de azeite, frutas e produtos hortícolas (frescos, secos, congelados, desidratados, em conserva, biológicos), bem como de produtos alimentares transformados pela indústria agro-alimentar.
Estão previstas medidas de simplificação administrativa?
A simplificação administrativa e legislativa e a redução dos custos de contexto para as empresas, materializa-se em várias medidas em curso no âmbito do Programa Simplex+2016, estando já a decorrer uma nova fase de recolha de propostas para a elaboração do Programa Simplex+2017.
Como estão a promover a capacitação financeira e profissional do sector?
A criação de um ambiente mais favorável aos negócios e o reforço da confiança na economia portuguesa têm-se constituído, desde o primeiro momento, como grandes objectivos de Governo. O sector agrícola apresenta-se, neste domínio, como uma peça fundamental do nosso modelo económico, cuja capacitação tem também beneficiado dos financiamentos proporcionados pelos fundos da Política de Coesão Europeia e do Feader ao longo das últimas décadas. Melhorar a competitividade das empresas agrícolas, florestais e agro-alimentares, proteger a natureza e o ambiente, apoiar as economias rurais e promover o desenvolvimento rural sustentável têm sido os grandes motes das intervenções. Neste sentido, e sob o domínio temático Competitividade e Internacionalização, em particular, o Acordo de Parceria Portugal 2020 tem vindo a apoiar iniciativas e projectos do complexo agro-alimentar, na dupla vertente de apoios à formação em contexto empresarial e de concessão de incentivos à competitividade e à internacionalização do complexo agro-alimentar. O objectivo final será, sempre, reforçar a competitividade das pequenas e médias empresas e do sector agrícola.
No que se traduzem estes apoios?
No que respeita à formação em contexto empresarial, são consideradas iniciativas de formação de activos, incluindo formação-acção nas empresas, e a formação de activos associada aos projectos de investimento aprovados. Por seu lado, os apoios à competitividade traduzem-se, em particular, no financiamento de recursos humanos e projectos de investigação e desenvolvimento, bem como no apoio a projectos de investimento empresarial inovadores ao nível da transformação e comercialização de produtos, a par de incentivos à internacionalização do sector. A promoção do conhecimento e da inovação são, assim, fundamentais na estratégia de desenvolvimento rural ao nível nacional, destacando-se os apoios dirigidos à inovação no sector agrícola, tendo em vista um aumento da produtividade e a sustentabilidade do sector.
De que forma os ministérios da Agricultura e da Economia se articulam para o desenvolvimento do sector agrícola?
Os ministérios da Agricultura e da Economia articulam-se para o desenvolvimento não apenas do sector agrícola mas de toda a cadeia agro-alimentar, através da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agro-alimentar (Parca), um importante fórum destinado a promover a discussão e o diálogo entre os diversos actores, desde a produção primária, à indústria e à distribuição de produtos agro-alimentares. De modo a favorecer a transparência nas relações, ultrapassar os obstáculos à promoção e aumentar a produção de bens alimentares nacionais, bem como a alcançar compromissos que sirvam a todos os intervenientes na cadeia agro-alimentar. Destaco que, no âmbito desta Plataforma foi assinado, no passado dia 12 de Dezembro, um Código de Boas Práticas Comerciais para a Cadeia de Abastecimento Agro-alimentar, tendo-se alcançado, pela primeira vez, um consenso, para a adopção de um conjunto de princípios e de regras de conduta voluntários entre as estruturas associativas que representam todos os sectores da cadeia de valor, desde a produção agrícola, à indústria agro-alimentar e à distribuição. Este instrumento de autorregulação constitui um importante complemento da regulamentação existente e um passo muito relevante na promoção de práticas comerciais leais e justas entre os diversos intervenientes nesta cadeia de valor, assente no compromisso das partes, bem como na instituição de uma cultura de mudança com benefício para todos.
No Orçamento de Estado estão previstos, para Março, novos instrumentos de financiamento e investimento. Pode pormenorizar do que se trata e de que forma a agricultura se enquadra?
Durante o primeiro trimestre de 2017, ficarão disponíveis, para as empresas portuguesas, os novos instrumentos de financiamento e investimento que integram a chamada Linha Capitalizar. Esta linha de crédito já foi apresentada pelo Governo, no início deste ano, e dirige-se principalmente às Pequenas e Médias Empresas (PME) portuguesas, incluindo as do sector agrícola. Através desta Linha será disponibilizado financiamento às empresas portuguesas até um valor máximo de 1.600 milhões de euros, reservando-se 10% deste valor exclusivamente para empresas do sector primário, como é o caso daquelas que se dedicam à actividade agrícola. A Linha Capitalizar integra um conjunto de instrumentos financeiros dirigidos maioritariamente a PME portuguesas, através dos quais se pretende apoiar investimentos de longo prazo, criar condições mais vantajosas de financiamento para micro e pequenas empresas, ampliar a oferta de operações de fundo de maneio e alargar o acesso a plafonds de crédito a todas as empresas.
A Linha Capitalizar tem medidas concretas para a agricultura?
De entre as cinco linhas específicas de financiamento que a Linha Capitalizar integra, gostaria de destacar a Linha específica “Micro e Pequenas Empresas”, que tem como objectivo financiar os investimentos em activos e reforço de capitais destas empresas. No que se refere concretamente às empresas agrícolas, esta Linha permite a possibilidade de utilizar o financiamento, obtido na aquisição de terrenos e imóveis, bem como de outros bens sujeitos a registo, desde que estes bens sejam, comprovadamente, destinados à actividade agrícola da empresa.
Quais as outras medidas existentes?
Ao longo do ano de 2017, as empresas do sector agro-alimentar poderão ainda beneficiar dos incentivos proporcionados pelos instrumentos do Portugal 2020, quer por via dos fundos da Política de Coesão (Feder e FSE), quer via Feader. O correspondente calendário de abertura de avisos de candidaturas encontra-se actualmente em fase de preparação, esperando-se que venha a ser aprovado e publicado muito em breve, para que os empresários possam tomá-lo como referência e, assim, planear de forma adequada os seus investimentos mais próximos.
A negociação do acordo comercial com o Canadá – Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA) – já terminou. Como se enquadra o agro-alimentar?
Começo pelo CETA porque, dos acordos referidos, é o único cuja negociação se encontra concluída. Embora as relações comerciais entre Portugal e o Canadá não sejam actualmente expressivas, o número de empresas exportadoras tem vindo a crescer de ano para ano de forma sustentada, tendo o saldo da balança comercial sido favorável a Portugal. Há, ainda, um grande potencial por explorar. Importa ter em conta a importante comunidade luso-canadiana que constitui um mercado significativo para alguns produtos tradicionais portugueses, tanto agro-alimentares como industriais. A liberalização do comércio entre as partes passará, em grande parte, pela eliminação de direitos aduaneiros, tratando-se de um dos mais ambiciosos Acordos de Comércio Livre celebrados pela União Europeia. Com o CETA, as empresas nacionais irão competir no mercado do Canadá em condições de igualdade com as suas concorrentes canadianas e europeias, o que se espera venha a aumentar e diversificar as suas oportunidades de negócios, especialmente para as de pequena e média dimensão. Dos resultados alcançados, destaca-se que sector agrícola dos vinhos e bebidas espirituosas, de importância estratégica para Portugal, beneficiará da total liberalização do mercado canadiano, à data da entrada em vigor do Acordo. Nos produtos agrícolas e processados agrícolas, o Canadá irá eliminar direitos em 90,9% das suas linhas pautais à entrada em vigor do acordo, sendo que, após sete anos, estarão liberalizadas 97,7% das linhas. De salientar, ainda, que o Canadá é o primeiro grande parceiro comercial a reconhecer o sistema de Indicações Geográficas (IG) da União Europeia (UE) e, no âmbito do qual, Portugal terá protecção total para 18 IG nacionais e protecção parcial para o “Queijo São Jorge”. Relativamente à eliminação de barreiras não pautais, alcançou-se um resultado muito relevante em matéria de certificação, avaliação de conformidade e regras sanitárias e fitossanitárias que facilitarão procedimentos, sem pôr em causa as regras e normas da UE. O Acordo consagra um novo quadro para a cooperação regulamentar e de simplificação de procedimentos alfandegários, dimensão que implica, também, diminuição de custos para as empresas. A liberalização decorrente do CETA deverá, assim, contribuir de forma substantiva para o aumento das exportações nacionais, incluindo do sector agrícola, com destino ao mercado canadiano.
Existem outros acordos em negociação, como o Mercosul e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). Qual o ponto de situação?
Os outros dois acordos ainda não se encontram concluídos, dependendo os maiores ou menores benefícios para Portugal, e para o sector agrícola em particular, do resultado final que vier a ser alcançado. Todavia, posso afirmar que ambos os acordos são muito relevantes para Portugal. Portugal tem sido um dos impulsionadores da aproximação, aprofundamento e aceleração da negociação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que remonta ao ano 2000. Temos um interesse muito particular nesta negociação, não só devido aos laços históricos e culturais que nos unem, em especial ao Brasil, mas também aos interesses das nossas empresas que exportam e que investem dos dois lados do Atlântico. Há um número crescente de empresas que apostam no Mercosul, um mercado incontornável para as empresas portuguesas, continuando a existir muitas oportunidades, seja na exportação, seja na internacionalização. Estando, ainda, em negociação, existem interesses ofensivos e defensivos tanto na UE como no Mercosul. Portugal tem os seus interesses e sensibilidades, nomeadamente no que diz respeito ao mercado de produtos agrícolas. Nas próximas rondas negociais, que decorrerão no decurso de 2017, vamos continuar a defender o espírito de compromisso e de flexibilidade, fundamentais para se poder alcançar um resultado final equilibrado na negociação com o Mercosul, que promova os interesses ofensivos e acautele as sensibilidades nacionais, designadamente as do sector agrícola.
E em relação ao TTIP?
Os Estados Unidos da América assumem, também, uma importância estratégica para Portugal, sendo actualmente o nosso primeiro parceiro comercial fora da UE, o que justifica o nosso interesse no reforço das relações comerciais e de investimento no âmbito do TTIP. O TTIP é uma grande oportunidade para abordar as dificuldades no acesso ao mercado pela eliminação de direitos aduaneiros, actualmente bastante elevados, e pela redução de obstáculos ao comércio, causados pelas divergências regulamentares existentes, o que se traduzirá numa redução ou, mesmo, à eliminação de custos desnecessários para as nossas empresas. Estes obstáculos afectam, actualmente, algumas das principais exportações de Portugal, como é o caso do vinho e outros produtos alimentares. Importa, ainda, superar algumas questões pendentes na negociação, designadamente em matéria agrícola, como é o caso das IG, que assumem particular importância, pelo que continuaremos a defender, com vigor, que o TTIP deverá assegurar um elevado nível de protecção das IG europeias nos EUA. Defendemos um acordo ambicioso e abrangente, que aborde interesses de ambos os lados, com um resultado final equilibrado e um nível de abertura de mercado comparável. Contudo, neste momento, o futuro da negociação do TTIP aguarda necessariamente a decisão da recém-nomeada administração.